Ficha de leitura nº 1

Referência Bibliográfica: Albarello,L. et al (1997). Práticas e métodos de investigação em Ciências Sociais.Lisboa, Gradiva. Ruquoy, Danielle- Situação de entrevista e estratégias do entrevistado, p. 84-116.

Palavras-chave: Entrevista, Metodologia, Recolha de dados, Investigação Qualitativa

Breve resumo do texto: O presente texto aborda a temática da entrevista como um útil instrumento de recolha de dados em investigações de carácter qualitativo. Define e desenvolve os aspectos relacionados com este instrumento metodológico, formulando questões essenciais para a sua compreensão, como por exemplo: a escolha da entrevista, o fundamento do método, a selecção de pessoas a entrevistar, as estratégias usadas pelo investigador, entre outras.

Desenvolvimento: O interesse cada vez mais crescente pelo indivíduo, pelas suas acções e pelas suas crenças, por parte dos investigadores, tornou a entrevista num instrumento primordial no que diz respeito à abordagem em profundidade do ser humano. Este tipo de instrumento é muitas vezes o único meio de recolha de dados, estando presente na fase exploratória da maioria das investigações. Ao utilizar a entrevista encontramo-nos longe de uma imagem da ciência que se interessa por procedimentos claramente formais e identificáveis, o que nos é dito, fornece-nos informações sobre o pensamento da pessoa e sobre a realidade de que é objecto. Sendo assim, são fornecidas através deste instrumento de recolha de dados informações de carácter bastante subjectivo. A entrevista surge na decorrência das “biografias orais” de W. Dilthey (1833-1911). Segundo este autor, para que possamos entender o social é preciso ter uma abordagem compreensiva de forma a conhecer o sentido que o ser humano atribui à sua acção. A utilização deste instrumento de recolha pressupõe que o investigador não possua informações sobre o seu objecto de estudo, justificando o uso da entrevista pela necessidade de obter dados próprios. Para garantir a confiabilidade deste instrumento metodológico, o investigador deverá prestar todas as informações de forma clara e exaustiva para proporcionar ao leitor a possibilidade de conhecer os resultados alcançados e todas as condições em que foi realizada a recolha dos dados.

A autora Ruquoy, D. (1997) organiza o texto em sete questões, de forma a proporcionar ao leitor um melhor entendimento desta metodologia e tudo o que a envolve. A primeira questão desenvolvida pela autora relaciona-se com a escolha da entrevista, mencionando que o instrumento de recolha de dados deve ser escolhido consoante o tipo de dados que se pretende investigar. Deste modo, a utilização da entrevista pressupõe que o investigador não disponha de dados já existentes, obtendo-os por si. Após detectada a necessidade de obter dados próprios é importante ter claro o contributo que irá ser dado com a utilização da mesma. No momento de escolha da entrevista o investigador devera assim ter conta algumas condições metodológicas, sendo elas: uma relação verbal entre o investigador; uma entrevista provocada pelo investigador; uma entrevista para fins de investigação; uma entrevista baseada na utilização de um guia de entrevista e por fim uma entrevista numa perspetiva intensiva. Ao longo do texto as entrevistas são classificadas, porém a autora centra a sua atenção na entrevista semidirectiva, definindo-a como um meio de permitir que o próprio entrevistado estruture o seu pensamento em torno do objecto perspectivado (aspecto parcialmente “não directivo”) e por outro lado, a definição do objecto de estudo elimina diversas considerações que o entrevistado se deixa naturalmente arrastar e exige o aprofundamento de pontos que ele próprio não teria explicitado (aspecto parcialmente “directivo”).

No que diz respeito ao estatuto dos dados recolhidos, é mencionado ao longo do texto que o objetivo é compreender práticas, delimitando o modo como os actores as organizam e valorizam, sendo também necessário considerar relações sociais que tenham efeitos independentes da consciência dos actores. Apesar da entrevista obter estas representações dos sujeitos, só de forma imperfeita nos forneceria informações sobre as suas práticas. Deste modo, a entrevista não poderá ser considerada nem o único instrumento metodológico, nem o melhor. Neste sentido são definidos dois tipos de investigação: Investigações sobre as práticas – modo de decisão de uma organização que se prende com acções objectivas, cujos aspectos são na maioria apreendidos de formas diferentes pelos actores e Investigações sobre as representações – a entrevista é a metodologia mais adequada para restringir os sistemas de representações, de valores e de normas eternizadas pelo indivíduo.  

Quanto aos fundamentos do método é importante referir que a própria entrevista ao desenvolver-se, se tornou objecto de investigação. As primeiras investigações que usaram a entrevista demonstraram até que ponto as informações recolhidas dessa forma permitem a exploração de novas facetas do “social”. Ao longo desta questão, Ruquoy, D. (1997) cita o autor Rogers que aborda a questão da “não directividade”. Esta expressão foi pouco utilizada pelo autor que preferia a noção de “terapia centrada no cliente”. O termo não directivo parecia puramente negativo e levava a crer na passividade e na intervenção do terapeuta.

A metodologia da entrevista diz respeito aos princípios que se encontram na base da condução de uma entrevista. O papel do entrevistador, na entrevista semidirectiva, segue a linha de pensamento do seu entrevistado, zelando simultaneamente pela pertinência das informações, pela criação de um clima de confiança e pelo controle do impacto das condições sociais da interecção sobre a entrevista. Esta atitude complexa por parte de quem investiga releva mais da arte do que das técnicas, segundo o autor Grawitz (1990). Assim, de forma a garantir a conveniência e a qualidade dos dados, o entrevistador deve ter em conta os seguintes aspectos: o objecto de estudo (saber com que objectivo se realiza o estudo, neste sentido, é importante perceber como o grau de elaboração teórica influencia o procedimento da entrevista); o contexto interpessoal (estão assentes as capacidades a pôr em prática, para facilitar no outro um processo de descoberta, sem que seja necessário, ao mesmo tempo, incitar elementos de conteúdos); e as condições sociais da interacção (o indivíduo é influenciado pelo contexto da entrevista).

Relativamente à selecção das pessoas interrogadas, esta é realizada em investigações de carácter qualitativo a um reduzido número de pessoas, que se encontrem em consonância com os objetivos da investigação. Apresentando como princípio a diversificação das pessoas entrevistadas e garantindo que nenhum aspecto importante foi esquecido.

As estratégias para o primeiro contacto com as pessoas seleccionadas após realizada a fase exploratória e escolhida a amostra, deverá ser a primeira preocupação. É frequente encontrar nas pessoas contactadas alguma reticência no que diz respeito à sua participação na entrevista, tal situação requerá muitas vezes do investigador engenho para estabelecer comunicações francas com os possíveis participantes. O entrevistador deverá, de forma a combater este e muitos outros entraves postos à realização da entrevista, revelar o interesse do estudo, motivar o interlocutor, fazer desaparecer os receios e explicar como e porque a pessoa foi escolhida.

Por fim, o último aspecto tratado no texto, as estratégias de intervenção do entrevistador. Segundo a autora, a entrevista pressupõe, na maioria das vezes, a existência de um guia que enuncie os temas a abordar com o objectivo de intervir de maneira pertinente, de forma a levar o entrevistado a aprofundar o seu pensamento ou a explorar uma questão nova de que não falaria espontaneamente. Os momentos-chave de uma entrevista são definidos no presente texto, sendo eles: os preliminares; o início da entrevista; o corpo da entrevista e o fim da entrevista. Neste sentido, existem dois tipos de intervenção: Intervenção de conteúdo, a que dizem respeito os temas do guia de entrevista, questão inicial, reformulações sob forma de clarificação ou de resumo, interpretação e confrontação; e Intervenção de natureza incitativa, a que dizem respeito expressões breves, pedidos neutros de informações complementares, manifestações, técnica do espelho e técnica do reflexo. Estes dois tipos de intervenção dependem do grau de directividade escolhido.

Reflexão crítica: Este texto revelou-se bastante útil para a consolidação de conhecimentos já existentes respeitantes à temática da entrevista. Os textos lidos anteriormente acerca de algumas metodologias de investigação, limitam-se, na sua maioria, a abordar os diferentes tipos de entrevista, papeís dos entrevistadores, guiões de entrevista, etc. O presente texto conduz a novas informações acerca deste tema, menos teóricas e a meu ver igualmente necessárias para a utilização desta técnica. Aspectos como, a escolha da entrevista, de que forma deverá ser realizada, como ultrapassar algumas das dificuldades impostas ao entrevistador e quais as estratégias que deverão ser usadas, constituem questões necessárias e úteis. A entrevista acaba assim por se revelar um intrumento de recolha de informações bastante importante e necessário num procedimento de investigação e numa fase exploratória do objecto de estudo. Como referi anteriormente, este intrumento releva muito mais uma arte do que uma técnica, uma vez que requer do entrevistador um papel e um trabalho bastante complexo para atingir os seus objectivos e obter as informações necessárias e perspectivadas inicialmente. Quando realizada eficazmente traduz-se numa óptima técnica para efectuar a recolha de dados respeitantes a um determinado objecto de estudo.

Texto_15_-Ruquoy__SituaASSAPSo_de_entrevista_e_estratAcgia_do_entrevistador_p._84-116..pdf (2,7 MB)

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